Obstáculos e avanços na 10ª sessão de negociação do Tratado Internacional sobre Empresas e Direitos Humanos: repercussões para as consultas intersessionais

Agência Pública
Por Melisanda Trentin, abogada y coordinadora de programas en Justiça Global, y Manoela Roland, Homa - Instituto Brasileño de Derechos Humanos y Empresas.
Em dezembro de 2024, ocorreu a 10ª sessão de negociação do Tratado Internacional sobre Empresas e Direitos Humanos promovida pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta sobre Empresas Transnacionais e outros Negócios com relação aos Direitos Humanos (OEIGWG), no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. O Homa, que acompanha as negociações desde a aprovação da Resolução 26/9 (A/HRC/RES/26/9) em 2014, representou a Justiça Global, trazendo posicionamentos embasados em um documento de análise que compara o rascunho do instrumento vinculante com o PL 572/22, que propõe regras para a responsabilização empresas em matéria de Direitos Humanos no Brasil.
A última sessão foi marcada por desafios significativos que comprometeram a participação social no processo. Neste post, destacamos os principais pontos discutidos, além de um panorama sobre a posição do Brasil nesse cenário, o que também vislumbra as discussões que virão durante as consultas intersessionais marcadas para o ano de 2025.
Redução do espaço de debate e participação e a influência corporativa
A decisão de postergar a 10ª sessão do OEIGWG de outubro para dezembro, com menos de um mês de antecedência, trouxe dificuldades logísticas e financeiras para delegações e organizações da sociedade civil, especialmente do Sul Global, inviabilizando a participação de muitos atores essenciais ao debate. A nova data coincidiu com o final do ano, aumentando os custos e reduzindo ainda mais a pluralidade de vozes na sessão.
A sessão também enfrentou outra limitação crítica: a troca do local da reunião. A retirada das discussões da Sala do Conselho de Direitos Humanos e da Aliança das Civilizações, espaço simbólico para o processo, sinalizou uma restrição na capacidade de participação da sociedade civil. Embora houvesse presença de delegações estatais, a voz crítica das organizações sociais foi consideravelmente reduzida pela mudança de datas, o que impactou nos rumos e resultados do debate.
Ademais, a influência corporativa tornou-se uma preocupação crescente. A presença significativa de representantes empresariais e de grupos de lobby, como o 'United States Council for International Business', gerou questionamentos por parte da sociedade civil sobre a captura corporativa do processo. Isso foi especialmente notável na resistência à inclusão do direito ao meio ambiente limpo, saudável e sustentável no texto do tratado, uma oposição liderada pelos Estados Unidos e por atores não governamentais norte-americanos.
Principais pontos de discussão
Apesar dos desafios, a sessão avançou até o Artigo 11 do rascunho do tratado, abordando questões centrais para a regulação de empresas transnacionais. Entre os debates mais intensos, destacam-se:
- direito ambiental como Direito Humano: a pressão para reconhecer o meio ambiente saudável e sustentável como direito humano, reconhecido pela Assembleia Geral da ONU na Resolução 76/300 (A/RES/76/300), enfrentou forte oposição dos EUA e seus aliados, o que pode se intensificar com a volta de Donald Trump à presidência e a recente saída do país do Acordo de Paris.
- terminologia: 'abuso' x 'violação': a divergência sobre o uso desses termos reflete disputas sobre a responsabilidade das empresas. Enquanto 'violação' reforça obrigações diretas, 'abuso' é visto como mais brando e favorável ao setor empresarial.
- aplicabilidade do tratado: propostas que condicionam a aplicabilidade de disposições do Tratado à sua adequação ao ordenamento jurídico interno dos Estados partes fogem à tecnicidade dos instrumentos internacionais, mantendo as suas cláusulas genéricas, além de estabelecerem grande insegurança jurídica a respeito do seu real potencial regulamentador.
- conflito de interesse dos experts: a falta de transparência na seleção de especialistas gerou questionamentos sobre sua imparcialidade, evidenciando a necessidade de critérios objetivos para as nomeações.
A posição do Brasil
O Brasil apresentou avanços na construção de uma linguagem mais robusta para a proteção dos direitos humanos, defendendo o uso de 'violação' em vez de 'abuso' e reconhecendo a coletividade das vítimas ao incluir 'comunidades afetadas' no texto. Além disso, enfatizou a primazia dos direitos humanos e o direito à reparação integral.
Uma contribuição relevante foi a inclusão das instituições financeiras no debate, destacando sua responsabilidade em casos de violações de direitos humanos na concessão de empréstimos. No entanto, ainda falta ao Brasil apresentar proposições concretas para fortalecer artigos fundamentais, como o de responsabilidade (Artigo 8) e jurisdição (Artigo 9), o que esperamos que ele possa fazer no decorrer das consultas temáticas intersessionais.
Próximos passos
Agora, aguardamos a publicação oficial dos relatórios e documentos do OEIGWG para aprofundar a análise e preparar novas contribuições para a 11ª sessão de negociação, confirmada para outubro de 2025. Outro elemento que também pode influenciar a posição brasileira futura é o lançamento da Política Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas pelo MDHC. Seguimos monitorando o processo e fortalecendo a luta por um tratado verdadeiramente eficaz na responsabilização das empresas transnacionais por violações de direitos humanos.