Baixar: Resumo executivo
1º de julho de 2025
Nesta página...
Para enfrentar a crise do clima, é necessário aumentar significativamente a geração de energia renovável: se quisermos evitar uma catástrofe climática, a capacidade instalada de geração de eletricidade baseada em fontes renováveis precisa triplicar até 2030, com o potencial solar e eólico respondendo por 85% dessa expansão. Para sustentar essas tecnologias, que fazem uso intensivo de minerais de transição, a extração também continua crescendo rapidamente. Porém, em toda essa cadeia de valor da energia renovável – da extração de minerais a novas estruturas para a produção de energia – os riscos enfrentados por empresas e investidores com relação aos direitos humanos continuam altos: degradação ambiental, impactos sobre meios de subsistência, terras, direito de Povos Indígenas e comunidades à consulta, ataques contra pessoas defensoras dos direitos humanos (DDHs), bem como descumprimento de direitos trabalhistas. Povos indígenas, outras comunidades de linha de frente e trabalhadores de todo o mundo estão se opondo a essa postura e recorrendo cada vez mais à Justiça para exigir uma transição energética que não seja baseada em abusos, e sim em prosperidade compartilhada, negociações justas e o dever de zelar pelos direitos humanos e ambientais de quem sofre os impactos diretos da transformação energética global.
A análise deste ano da Ferramenta de Rastreamento de Litígios da Transição Justa do Business & Human Rights Resource Centre (a Ferramenta de Rastreamento) destaca a tendência crescente de haver litígios relacionados à transição justa. Em 2025, a Ferramenta de Rastreamento contém um total de 95 ações judiciais ajuizadas no mundo desde 2009. Essas ações foram movidas por Povos Indígenas e outras comunidades de linha de frente, pessoas defensoras dos direitos humanos, e trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo, para proteger seus direitos humanos no contexto da transição energética, em toda a cadeia de valor das energias renováveis. O litígio relacionado à transição justa também está aumentando: identificamos 17 ações ajuizadas em 2024, o que supera os anos anteriores (dez ações que constam da nossa Ferramenta de Rastreamento foram ajuizadas em 2023 e 13 em 2022).
As principais constatações a que chegamos com base nas 95 ações rastreadas são:
- Embora a Ferramenta de Rastreamento inclua ações movidas em toda a cadeia de valor, a extração de minerais de transição continua no centro da maioria dos processos, representando mais de 70% (67 processos) das ações judiciais contidas na Ferramenta de Rastreamento.
- Os Povos Indígenas ajuizaram quase metade das ações (47% - 45). E quase metade das ações rastreadas (49% - 47) alegam supostas violações dos direitos dos Povos Indígenas, incluindo, em 33% delas (31), o direito ao consentimento livre, prévio e informado (CLPI).
- Os principais danos causados pelos projetos são relacionados ao meio ambiente, em 70% (67) das ações rastreadas, à água (56% - 53) e outros, como 48% (46) das ações têm como foco as consequências negativas dos projetos sobre os meios de subsistência das comunidades afetadas, e 40% (38), o impacto sobre áreas protegidas, como terras sagradas dos Povos Indígenas, pastagens, sítios históricos da agricultura ou parques nacionais.
- A América Latina e o Caribe continuam sendo a região com o maior número de ações por abuso (53% - 50), seguida pela América do Norte (16% - 15), África (11% - dez), Europa (9% - nove), Ásia (8% - oito) e Austrália e Oceania (3% - três).
- Em 65% (62) das ações contidas na Ferramenta de Rastreamento, os autores solicitavam a interrupção temporária ou permanente do projeto. Em 40% (25) dessas ações, o tribunal decidiu em favor deles, e 50% delas (13) já estão encerradas.
Essas constatações demonstram um risco cada vez maior, a ser considerado por empresas e investidores que busquem obter lucros durante a tão necessária transição energética. A falta de uma abordagem centrada nos direitos humanos ao longo do ciclo de vida dos projetos pode causar danos financeiros e à reputação, atrasos na implementação e interrupção das cadeias de fornecimento de recursos essenciais, na medida em que os detentores de direitos recorrem cada vez mais à Justiça. E tribunais de todo o mundo estão respondendo, por exemplo, na recente decisão brasileira que estabelece um precedente sobre os direitos dos Povos Indígenas a benefícios financeiros diretos de projetos hidrelétricos, além da Finlândia, onde a Justiça decidiu que o projeto de parque eólico da EPV Tuulivoima Oy não cumpria as obrigações legais de proteger os meios de subsistência tradicionais. Nunca foram tão claros os papéis fundamentais cumpridos pelos direitos humanos, a confiança pública e a responsabilização legal para alcançar uma transição que seja não apenas rápida, mas também, fundamentalmente justa.
Recomendações para empresas e investidores
Empresas
Obrigação das empresas de proteger os direitos humanos
- Realizar devida diligência rigorosa em direitos humanos e meio ambiente ao longo de toda a cadeia de valor, com atenção especial ao acesso à reparação, estabelecendo mecanismos eficazes de reclamação em nível operacional para as pessoas que sofram impactos negativos diretos dos projetos.
- As empresas de energia renovável devem adotar políticas de compra responsável de minerais e trabalhar ativamente com o setor de mineração em etapas anteriores da cadeia para garantir operações centradas nos direitos humanos por parte das empresas que exploram minerais de transição.
Negociações justas
- Respeitar e divulgar publicamente as consultas, o envolvimento e as negociações de boa-fé com os detentores de direitos, prestando especial atenção aos que estejam em maior risco de vulnerabilidade ou marginalização, antes de tomar decisões de investimento e durante as operações, e se comprometer a evitar tratar as objeções públicas como reclamações desinformadas; garantir que isso abranja o papel dos parceiros de negócios.
- Adotar e implementar, na prática, políticas comprometidas com o respeito aos direitos dos Povos Indígenas, incluindo o de conceder ou negar o CLPI, independentemente da existência ou não de legislações nacionais.
- Adotar e implementar compromissos de políticas públicas que reconheçam o valioso papel dos DDHs, façam referência a riscos específicos para os DDHs, garantam o engajamento e a consulta efetivos com os DDHs em todos os estágios do processo de due diligence e se comprometam com a tolerância zero para represálias em todas as operações, cadeias de suprimentos e relacionamentos comerciais da empresa
Prosperidade compartilhada
- Repensar as abordagens de design de projetos para incluir e empoderar, de forma relevante, Povos Indígenas, comunidades de linha de frente, trabalhadores e sindicatos, e angariar apoio para os projetos. Especificamente, desenvolver e implementar modelos de negócio justos e equitativos que incluam compartilhamento de benefícios, inclusive por meio de cogestão, copropriedade e cooperação, que sejam baseados em direitos, abordem direitos processuais e substantivos, e sejam adaptados às prioridades e necessidades locais.
Investidores
- Apoiar publicamente a legislação, atual e que venha a surgir, sobre devida diligência em direitos humanos e ambiental e responsabilidade empresarial, bem como os marcos regulatórios de compartilhamento de benefícios.
- Comprometer-se a investir em projetos de energias renováveis e minerais de transição que respeitem os direitos humanos e o meio ambiente, após realizar avaliações de risco e impacto das empresas que receberão os investimentos com relação a essas questões.
- Desenvolver políticas relativas a modelos preferenciais de propriedade e investimento que favoreçam resultados com benefícios compartilhados para comunidades e trabalhadores.
Outras recomendações para práticas de direitos humanos mais sólidas por parte de empresas e investidores na transição energética também estão disponíveis abaixo, em “Outros recursos”.
“O mundo ainda subestima os riscos climáticos... É absolutamente essencial agir agora... [e] reduzir drasticamente as emissões agora”, alertou António Guterres, Secretário-Geral da ONU, antes da COP29 do ano passado.
A Ferramenta de Rastreamento inclui ações relacionadas à transição justa movidas por detentores de direitos, que se baseiam nos direitos humanos para contestar a “distribuição de benefícios e ônus” injusta, associada à transição dos combustíveis fósseis para a emissão líquida zero. Ajuizadas em várias partes do mundo, as 95 ações incluídas na Ferramenta de Rastreamento ampliada deste ano têm como alvo empresas que realizam e/ou países que autorizam a exploração de minerais de transição (minerais essenciais, incluindo bauxita, cobre, cobalto, minério de ferro, lítio, manganês, níquel e zinco) ou projetos de energia renovável, como a solar, a eólica e a hidrelétrica. A metodologia completa está aqui.
Entre as 95 ações judiciais rastreadas, a maioria (mais de 70% ou 67) está relacionada à extração de minerais de transição. O impacto ambiental dos projetos de mineração continua sendo a principal preocupação, representando 71% (48) das ações nesse setor. Mais de 60% (41) das ações movidas por detentores de direitos relacionados à extração de minerais de transição descreviam problemas de acesso e/ou poluição da água, destacando o impacto do seu uso em grande escala nas operações de mineração e a frequente associação com a contaminação. Mais de 47% (32) das ações de mineração alegaram haver impactos negativos sobre os meios de subsistência dos detentores de direitos.
As outras 28 ações constantes da Ferramenta de Rastreamento (29%) se referem ao setor de energia renovável: eólica (14% - 13); hidrelétrica (12% - 11) e solar (4% - quatro). Quase 80% (22) das ações relacionadas a projetos de energia renovável alegaram consulta inadequada aos detentores de direitos. O impacto desse setor sobre o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável também foi importante, sendo citado em 68% (19) das ações. Trinta e seis por cento delas (dez) levantaram a questão do acesso à água, principalmente devido à natureza inerente aos projetos hidrelétricos. Alegações de que os direitos fundiários foram impactados por instalações de energia renovável, uma vez que demandam vastas extensões de terra, foram citadas em 36% das ações (dez).
Direitos humanos em risco
Embora os benefícios globais da transição energética sejam indiscutíveis, além de essenciais para a sobrevivência do planeta, os projetos de energia renovável e a extração de minerais de transição podem ter impactos de peso sobre comunidades e trabalhadores de linha de frente. É possível identificar tendências globais claras, com riscos e impactos sobre os direitos humanos parecendo se repetir em toda a cadeia de valor da energia renovável.
Vozes das comunidades afetadas: Povos Indígenas vencem batalha judicial sobre aquisição de terras para o Projeto Eólico do Lago Turkana, no Quênia, mas a luta continua
Em 2014, comunidades indígenas do condado de Marsabit, no Quênia (apoiadas, mas não representadas, pela Natural Justice) moveram uma ação contra a Lake Turkana Wind Power (LTWP) e diversos órgãos governamentais, alegando violações das leis de terras, por meio do desenvolvimento de estratégias e elaboração de documentos. Argumentam que o projeto eólico não cumpriu os protocolos do CLPI e não forneceu compensação adequada pela aquisição das terras. A LTWP não contestou as irregularidades no processo de aquisição. Em outubro de 2021, a Justiça decidiu que os títulos de propriedade haviam sido obtidos irregularmente. A empresa solicitou uma revisão em fevereiro de 2022, citando novas evidências e buscando uma prorrogação do prazo para cumprir a sentença, por tempo indeterminado. Em maio de 2023, o tribunal rejeitou a revisão, levando ao cancelamento dos títulos de propriedade. Posteriormente, a LTWP recorreu, e o processo ainda está em andamento.

Maurizio Di Pietro / Climate Visuals Countdown
Antes do litígio, foram utilizadas outras formas de resolução de disputas, incluindo diversas solicitações de acesso a informações endereçadas à LTWP e a órgãos do governo, como a Comissão Nacional de Terras e a Autoridade Nacional de Gestão Ambiental.
O litígio era o último recurso das comunidades para garantir a proteção de seus direitos como Povos Indígenas, bem como de seus direitos à terra. No entanto, quando a última opção é recorrer aos tribunais e litigar, as várias tentativas de obter justiça por meio de diferentes mecanismos extrajudiciais resultam na acumulação de provas.
A extração de minerais de transição continua sendo o setor com a maioria dos processos judiciais
Mais de 70% (67) das ações judiciais globais contidas na Ferramenta de Rastreamento dizem respeito ao setor de mineração. As 28 restantes (29%) se referem ao setor de energia renovável: eólica (14% - 13 ações); hidrelétrica (12% - 11) e solar (4% - quatro).
Pelo segundo ano consecutivo, a extração de minerais de transição foi responsável pelo maior número de ações judiciais relacionadas a direitos humanos em toda a cadeia de valor da energia renovável, representando mais de 70% (67) de todos os casos registrados na Ferramenta de Rastreamento. Embora destaque as violações de direitos humanos vinculadas a esse setor, essa estatística também mostra a resistência cada vez maior de comunidades e trabalhadores afetados à abordagem predominante na extração, ou seja, continuar lucrando como sempre. As alegações sobre o impacto negativo da extração de minerais de transição sobre o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável representam mais de 71% (48) dos processos judiciais rastreados.
Mais de 60% (41) das ações movidas por detentores de direitos relacionadas à extração de minerais de transição relataram problemas de acesso e/ou poluição da água. No Brasil, a mina de níquel Onça-Puma, operada pela Vale, foi alvo de diversas ações judiciais relacionadas a acesso e contaminação da água que afetam o Povo Indígena Xikrin. Na mais recente, ajuizada em 2025, o Ministério Público Federal exigiu que a Vale implementasse um programa permanente de monitoramento da saúde da comunidade Xikrin. Também demanda que o estado do Pará – responsável pela concessão da licença ambiental da mina – e o governo federal, que supervisiona as políticas de saúde indígena, forneçam apoio técnico e administrativo para garantir uma fiscalização ambiental eficaz. A Vale nega ter responsabilidade.
Proteções ambientais reais, fiscalização do cumprimento de normas e práticas de mineração responsáveis são essenciais para mitigar esses riscos e garantir a extração sustentável, que respeite os direitos dos recursos.
O Rastreador de Minerais de Transição de 2025 também destaca o impacto desproporcional da extração desses minerais sobre os Povos Indígenas. Isso também se reflete no cenário do litígio:
- Povos Indígenas do mundo todo moveram 46% (31) dos processos judiciais relacionados à extração de minerais de transição incluídos na Ferramenta de Rastreamento.
- Em termos gerais, quase metade dos processos (33) relacionados a minerais de transição envolveram alegações de abusos dos direitos dos Povos Indígenas: supostamente deixar de cumprir seu direito ao CLPI (58% - 19 ações) e causar impactos sobre áreas importantes ou protegidas (48% - 16).
Energia renovável
O setor eólico representa 14% (13) dos casos constantes da Ferramenta de Rastreamento, a energia hidrelétrica, 12% (11), e o setor solar, 4% (quatro).
Parques eólicos normalmente exigem terras extensas, um fator que costuma estar no centro de processos judiciais envolvendo projetos de energia renovável. De fato, entre as 13 ações relacionadas a parques eólicos que rastreamos, sete citavam supostas violações de direitos à terra, enquanto o impacto de projetos eólicos nos meios de subsistência da comunidade foi mencionado em oito. Os Povos Indígenas e as vastas extensões de terra que eles há muito tempo habitam e usam enfrentam riscos diante da expansão dos empreendimentos eólicos. Particularmente, oito ações judiciais relacionadas a parques eólicos em nosso banco de dados foram ajuizadas por Povos Indígenas, e seis delas alegavam falta de CLPI. Em 2018, a comunidade indígena Unión Hidalgo processou a Comissão Federal de Eletricidade por consulta inadequada sobre o projeto do parque eólico Gunaa Sicarú, no México, o que levou a uma decisão da Justiça em 2021 proibindo a construção de parques eólicos em terras indígenas.
As ações judiciais contra o setor hidrelétrico também são numerosas na Ferramenta de Rastreamento: 11 processos. A principal preocupação com os detentores de direitos que movem esse tipo de ação está relacionada ao impacto de projetos hidrelétricos e barragens sobre seu direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável (dez ações). Dada a natureza inerente aos projetos hidrelétricos, a maioria das demandas estava relacionada a preocupações com o acesso à água (nove ações) e ao impacto do projeto sobre áreas importantes ou protegidas (sete). A suposta falta de consulta sobre o projeto também é frequente, e se reflete em nove ações, da América Latina à Europa. Em cinco delas, a Justiça ordenou a paralisação dos projetos, como no Equador, onde um tribunal suspendeu o projeto hidrelétrico da Genefran no rio Piatúa e revogou sua licença ambiental.
As ações relacionadas ao setor solar identificadas em nossa Ferramenta de Rastreamento (quatro ações) envolviam, em sua maioria, consultas inadequadas (três ações), como em um processo recente em Taiwan. Moradores alegaram que a Ruizhi Photonics construiu uma subestação solar de grande porte em sua comunidade, sem consulta prévia. O governo negou que os procedimentos fossem ilegais. Um Tribunal de Justiça da Suécia anulou a decisão de uma instância inferior e rejeitou o projeto da European Energy – o maior parque solar do país – destacando a importância de proteger as terras agrícolas e afirmando que a empresa não havia demonstrado que “a instalação gera benefício social suficiente”. A decisão foi vista como uma reafirmação da prioridade dada às terras agrícolas em detrimento do desenvolvimento de energias renováveis quando os benefícios sociais não forem adequadamente comprovados.
As perspectivas para projetos eólicos e solares centrados no respeito aos direitos humanos e em parcerias equitativas são promissoras, com alguns exemplos animadores de copropriedade indígena e compartilhamento de benefícios em projetos de energia renovável – principalmente onde existem marcos regulatórios sólidos e compromisso com a implementação. Alguns países africanos (Quênia, Serra Leoa e África do Sul) têm legislações inovadoras que regem o setor de energia renovável, incluindo acordos de compartilhamento obrigatório de benefícios com as comunidades e a obtenção de CLPI para propostas de projetos industriais em terras indígenas. Essas leis podem servir de inspiração para marcos legais que venham a surgir em outros países. Esses modelos de negócios não apenas empoderam as comunidades, mas também mitigam os riscos operacionais e de reputação para as empresas, previnem conflitos e apoiam o combate à crise climática.
À medida que os projetos de energia renovável se expandem, o setor tem uma oportunidade importantíssima de impulsionar uma transição energética justa e equitativa. Ao aprender com as dificuldades já enfrentadas antes no setor de mineração, pode-se trabalhar ativamente para evitar a repetição de padrões semelhantes, principalmente considerando os impactos compartilhados sobre os detentores de direitos.
Destaque regional: a América Latina à frente das iniciativas de litígio por uma transição justa
Os casos incluídos na Ferramenta de Rastreamento vêm do mundo todo, ilustrando a natureza global da reorientação para uma transição energética justa e seus impactos sobre Povos Indígenas, trabalhadores e comunidades que lutam para que seus direitos sejam respeitados em projetos de energia renovável e extração de minerais de transição.
Mais da metade das ações (50) constantes da Ferramenta de Rastreamento estavam relacionadas a abusos na América Latina (49) e no Caribe (um). Quarenta e uma foram ajuizadas naquela região. Dessas, 76% (31) envolviam demandas relacionadas à extração de minerais de transição, enquanto as 24% restantes (10) diziam respeito a projetos de energia renovável. Um número significativo de casos também foi registrado em tribunais da América do Norte, totalizando 19. A maioria (15) estava relacionada à mineração, enquanto os quatro restantes eram sobre projetos de energia renovável.
A Europa é a única região onde a maioria dos processos judiciais apresentados está relacionada com energias renováveis (nove em 15).
Vozes das comunidades afetadas: Vitória das agricultoras na revogação da licença da Dairi Prima Mineral na Indonésia
Em fevereiro de 2023, agricultoras da Indonésia (com o apoio da ONG Bakumsu) entraram com uma ação contra o Ministério do Meio Ambiente e das Florestas, contestando a licença ambiental concedida à mina de zinco da Dairi Prima Mineral. Elas argumentavam que não haviam sido seguidos os procedimentos adequados para uma avaliação de impacto ambiental, levantando preocupações acerca dos efeitos do projeto sobre seus meios de subsistência e o possível rompimento de uma estrutura de armazenamento de resíduos tóxicos. Em julho de 2023, o Tribunal Administrativo Estadual ordenou a revogação da licença. O Supremo Tribunal confirmou essa decisão em agosto de 2024, citando falta de participação pública, violações dos princípios da boa governança e alto risco de desastre em função da atividade sísmica na região. A decisão é juridicamente vinculante e não cabe recurso. Em maio de 2025, o Ministério do Meio Ambiente e Florestas emitiu um decreto (Decisão MEF/Keputusan Kementerian Lingkungan Hidup nº 888/2025) revogando a licença da Dairi Prima Mineral.
Em 2019, as comunidades buscaram diversas alternativas antes de recorrer à Justiça contra a mina de zinco da Dairi Prima Mineral. Mas, após o fracasso dessas tentativas, o litígio passou a ser a única opção. Apesar do custo e da duração da ação, elas buscaram a via judicial, considerando-a o único caminho para proteger o meio ambiente e seu sustento. Na Indonésia, as licenças de mineração só podem ser revogadas através de processos judiciais.

BAKUMSU
As comunidades saudaram a decisão favorável tomada pelo Supremo Tribunal em 2024, mas continuam preocupadas com a continuidade das operações da empresa. Citam a falta de vontade política para fazer valer a decisão como um problema grave e têm receio de que a empresa tente burlar o veredito com uma nova avaliação ambiental.
Para as comunidades de Dairi, uma “transição justa” significa garantir que as preocupações ambientais e sociais estejam devidamente refletidas nas regulamentações, principalmente no contexto de atividades de alto risco, como a mineração. Ela enfatiza a necessidade de as empresas realizarem consultas claras e relevantes com as comunidades, especialmente as que sofrem impactos diretos. Consultas eficazes e CLPI são elementos fundamentais, assim como o compartilhamento da prosperidade com as comunidades. As comunidades estão exigindo que o governo busque o desenvolvimento inclusivo e promova a prosperidade compartilhada.
Atores fundamentais em uma transição justa e equitativa
Quase metade das 45 ações rastreadas foi movida por Povos Indígenas (69% - 31) e se referia ao setor de extração de minerais de transição, e 31% (14) estavam relacionadas a projetos de energia renovável. Isso não surpreende, visto que 50% dos minerais da transição energética estão localizados em terras de Povos Indígenas ou pequenos agricultores, e a corrida global para aumentar a extração desses minerais ameaça cada vez mais o acesso a terras ancestrais, à cultura e aos meios de subsistência. Ao tomar medidas legítimas para defender suas terras e seus recursos, e proteger seus direitos fundamentais de danos associados a negócios e projetos estatais, incluindo aqueles que pretendem beneficiar o clima, os Povos Indígenas enfrentam retaliações. Máxima Acuña Chaupe, indígena peruana que pratica a agricultura de subsistência, e sua família alegam que as forças de segurança da Minera Yanacocha (na qual a Newmont tem participação majoritária) as assediaram e agrediram, e ameaçaram despejá-las devido a uma disputa de terras ligada à expansão do projeto da mina Conga.
Outras organizações, advogados e comunidades com ações judiciais relacionadas a energias renováveis e projetos de minerais de transição também enfrentam riscos. Pesquisas recentes sobre ataques a pessoas defensoras dos direitos humanos, realizadas pelo Centro, identificaram que quase três quartos desses ataques tiveram como alvo defensores do clima, da terra e do meio ambiente. Na última década, o setor com o maior número desses eventos foi a mineração (quase 1.700).
Os ataques não ocorrem apenas nas etapas iniciais da cadeia de valor das energias renováveis, ou seja, na extração de minerais de transição, mas também em relação às estruturas de geração dessas energias (hidrelétrica, eólica, solar etc.). Nos últimos dez anos, projetos hidrelétricos foram associados a quase 365 ataques a pessoas defensoras de direitos humanos, incluindo mais de 100 assassinatos. A maioria dos eventos relacionados a projetos hidrelétricos ocorreu em Honduras, Guatemala, México, Colômbia, Filipinas e Índia.
Comunidades da linha de frente não indígenas iniciaram litígios em 35% (33) das ações constantes da Ferramenta de Rastreamento. Em 14% dos casos (13), indivíduos e comunidades afetadas por projetos exerceram sua resistência por meio de protestos ou bloqueios, frequentemente enfrentados com violência e consequências trágicas. Em uma ação judicial relacionada ao projeto de mineração de ouro e cobre de Conga, manifestantes relataram ter sido atacados por indivíduos que seriam funcionários e seguranças da Minera Yanacocha. A EarthRights International entrou com uma ação em um tribunal federal dos Estados Unidos demandando documentos da Newmont Mining sobre a suposta repressão aos protestos referentes ao projeto Conga, principalmente incidentes de violência policial, que teriam deixado vários manifestantes feridos ou incapacitados.
Casos importantes acrescentados à ferramenta
Some text here

Austrália: Mina McArthur River

Austrália: Mina McArthur River
Austrália: Mina McArthur River
Detentores dos chamados títulos nativos (native titles) na Austrália contestaram a ampliação da Mina McArthur River, operada pela Mount Isa Mines Limited (parte da Glencore). Eles alegaram que o arrendamento mineral proposto deveria ser classificado como um “direito de mineração” sob a Lei dos Títulos Nativos de 1993, conferindo-lhes direitos processuais como notificação, objeção e consulta. Em fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal da Austrália anulou decisões de instâncias inferiores que definiam o arrendamento como “direito de mineração” e a Área de Descarte de Resíduos de Dragagem (DSEA, na sigla em inglês) como uma “infraestrutura” associada à mineração. Como resultado, os autores obtiveram direitos processuais sob a Lei dos Títulos Nativos.
Desde então, o Conselho de Terras do Norte exigiu que a Mina Rio McArthur se envolvesse de forma relevante com os detentores de títulos nativos. A mina continuará operando, mas o governo do Território do Norte está estudando maneiras de equilibrar os direitos de título nativo com a necessidade de uma nova área para resíduos de dragagem, garantindo o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal.

Brasil: Discriminação de gênero na reparação

Brasil: Discriminação de gênero na reparação
Brasil: Discriminação de gênero no processo de reparações
Em 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em uma mina da Samarco, de propriedade conjunta da BHP e da Vale, matou 19 pessoas e causou grandes danos ambientais. Posteriormente, a Samarco firmou com o governo brasileiro um acordo de 262 milhões de dólares para mitigação e remediação.
Em junho de 2024, o Ministério Público entrou com uma ação judicial demandando 3,6 bilhões de reais (aproximadamente 668 milhões de dólares) da Vale, BHP e Samarco. A ação visa a suposta discriminação de gênero no processo de reparação, argumentando que os métodos de compensação se baseavam em pressupostos patriarcais que reconheciam os homens como vítimas principais e marginalizavam as mulheres como dependentes ou “ajudantes”, ignorando, assim, suas contribuições econômicas. A Vale e a BHP declararam ainda não ter sido formalmente notificadas da ação judicial. O processo está em andamento.

RDC: Mina Katanga Copper

RDC: Mina Katanga Copper
RDC: Violações das leis trabalhistas
Em 2023, vários trabalhadores ajuizaram uma ação coletiva contra a Elias & Matis Trading – uma empresa terceirizada que atuava na mina Katanga Copper Company (KCC) da Glencore, na República Democrática do Congo, acusando-a de descumprimento generalizado da legislação trabalhista, incluindo impedir o direito dos trabalhadores de se sindicalizar, não oferecer benefícios médicos, demitir funcionários ilegalmente e reter documentos administrativos essenciais, como contracheques. O processo está em andamento.
Uma retrospectiva de 2024 destaca que os riscos aos direitos humanos estão aumentando em toda a cadeia de valor das energias renováveis, com 17 ações ajuizadas no ano passado – mais do que em outros anos. Além disso, cinco processos anteriores foram concluídos em 2024, elevando o total de ações ajuizadas ou concluídas em 2024 para 22.
Em termos globais, as alegações de abusos dos direitos humanos concentram-se no setor de minerais de transição (18 casos). O setor de energias renováveis foi alvo de quatro ações (duas sobre projetos solares e duas sobre projetos eólicos). Doze processos foram movidos contra empresas privadas ou estatais e 13 contra Estados, por autorizarem atividades empresariais específicas. Três processos foram movidos contra ambos.
Em consonância com nossa análise global, 15 ações se referiam ao suposto impacto negativo de projetos sobre o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Povos Indígenas ajuizaram metade das ações (11), e seus direitos foram impactados em 12 delas, incluindo o direito ao CLPI, em oito. Detentores de direitos que foram afetados também alegaram consulta inadequada em 12 ações.
Em dez ações, os autores solicitavam a paralisação dos projetos. Em um processo sobre a mina de ouro de Loma Larga, no Equador, o Tribunal Constitucional confirmou uma decisão de primeira instância favorável aos autores, citando a necessidade de consulta prévia, avaliação ambiental e aprovação da comunidade para a realização de atividades de mineração. Da mesma forma, na ação sobre o projeto da mina de lítio Big Sandy, nos Estados Unidos, um juiz federal prorrogou recentemente uma interrupção temporária da perfuração danosa durante a tramitação do processo judicial da Tribo Hualapai, pois há probabilidade de danos irreparáveis decorrentes da perfuração na Bacia do Rio Big Sandy, no Arizona.
Cada vez mais, Povos Indígenas, comunidades e trabalhadores ou seus representantes diretamente impactados por danos aos direitos humanos relacionados à extração de minerais de transição ou a projetos de energia renovável desafiam o status quo, muitas vezes recorrendo à Justiça como último recurso para fazer valer seus direitos.
Em 65% (62) das ações constantes da Ferramenta de Rastreamento, os autores solicitaram a paralisação temporária ou permanente dos projetos. Em 40% (25) delas, a Justiça decidiu a favor deles, e 50% (13) dos processos já foram encerrados. Alguns exemplos recentes são:
- Ação sobre a autorização para que a Big Sandy Inc. (subsidiária da empresa australiana Arizona Lithium) perfure na Bacia do Rio Big Sandy, no noroeste do Arizona.
- Ação sobre o projeto de mineração de ouro e cobre Conga, da Minera Yanacocha, no Peru.
- Ação contra o parque solar Svedberga, da European Energy, a maior proposta de projeto solar da Suécia.
- Ação contra o projeto do parque eólico EPV Tuulivoima Oy, na Finlândia.
Em outros casos, os autores buscavam a realização de consultas adequadas sobre os projetos em mais de 50% das ações (50). Os tribunais suspenderam projetos ou revogaram licenças em 38% delas (19), alegando abuso desse direito.
Empresas e investidores também devem observar que os tribunais podem determinar a remoção de infraestrutura de energia renovável quando os direitos forem desrespeitados. Foi o caso das 84 turbinas eólicas do projeto Osage Wind e da Enel em Oklahoma, quando o tribunal concordou que a Nação Osage sofreria “danos irreparáveis” se as turbinas permanecessem. A remoção foi suspensa enquanto as empresas recorrem. Quando isso acontece, é fundamental reconhecer que o desmantelamento de um projeto eólico ou solar existente impede o avanço no enfrentamento das mudanças climáticas – a maior ameaça a todos os direitos humanos – e ninguém se beneficia realmente dessa situação. O desafio reside em garantir que as iniciativas de energia renovável sejam implementadas de forma responsável, equilibrando a ação climática com o respeito às comunidades e seus direitos.
Sem padrões ou definições universalmente reconhecidos para a transição justa, as decisões judiciais estão estabelecendo precedentes importantes que influenciam a forma como as considerações relacionadas aos direitos ambientais e humanos são integradas à transição. O litígio pode cumprir um papel fundamental na condução de mudanças legislativas mais amplas, baseadas em direitos, rumo a uma transição energética justa. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil determinou a indenização financeira das comunidades indígenas impactadas pela barragem de Belo Monte. Também exigiu que o Congresso aprovasse legislação garantindo a participação dos Povos Indígenas nos benefícios financeiros advindos da energia hidrelétrica e da exploração mineral em até 24 meses. Essa decisão estabelece um precedente legal mais amplo para “[o]utros empreendimentos existentes ou que venham a existir, voltados para o aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos em terras indígenas”.
As ações que constam da Ferramenta de Rastreamento demonstram que a falta de envolvimento relevante com os detentores de direitos e da defesa dos direitos humanos e das normas ambientais pode desencadear agitação social e resistência em torno de áreas de mineração e energia renovável, atrasando os projetos e a transição energética. Empresas e investidores devem encarar a realidade de que essas questões também elevam significativamente o risco de litígio e que empresas inescrupulosas enfrentarão as consequências financeiras. Em mais de 35% (35) dos processos rastreados, os detentores de direitos afetados solicitaram indenização financeira por terem seus direitos impactados negativamente. No processo do parque eólico do Condado de Osage, o impacto financeiro geral para a Enel, considerando honorários advocatícios e o custo estimado de 259 milhões de dólares para a remoção da turbina, ultrapassa 263 milhões. O fechamento da mina Cobre Panama, da First Quantum Minerals, após uma decisão do Supremo Tribunal panamenho considerar seu contrato inconstitucional, tem um custo estimado de 800 milhões de dólares. Em alguns casos, investidores decidiram agir nas empresas em que investiram para impulsionar mudanças relevantes. Recentemente, o Norges Bank decidiu se envolver, por meio de participação ativa, com a Rio Tinto e a South 32 (ambas participantes da joint venture Mineração Rio do Norte, que opera uma mina de bauxita na floresta amazônica) “em seu trabalho para reduzir danos ambientais graves ao longo de um período de cinco a dez anos”. É dever de empresas e investidores incorporar uma abordagem centrada nos direitos humanos desde o início e durante todo o ciclo do projeto, a fim de fazer parte de uma transição justa e equitativa. Defender os direitos humanos e ambientais, realizar consultas completas e inclusivas, e cumprir os princípios do CLPI podem servir como uma forte proteção contra esses riscos crescentes.
O Business & Human Rights Resource Centre é uma ONG internacional que monitora os impactos dos direitos humanos de mais de 10.000 empresas em mais de 180 países, disponibilizando informações em nosso website em 10 idiomas.
Autores e pesquisadores:
- Elodie Aba, Michael Clements, Jeeseon Hwang, Millie John-Pierre, Laura Mont Castro, Axelle Poussier, Malgorzata Tyczka.
Agradecimentos
- Natural Justice
- Bakumsu
- Aintzane Márquez, SOMO
- Membros da Just Transition Litigation Coalition
- Veera Kankare, Universidade da Finlândia